Outro problema, que aumentou durante a pandemia, são os transtornos psicológicos causados pela rotina difícil. Com baixos salários e falta de perspectiva de carreira, professores desistem da profissão
No Brasil, uma pesquisa aponta que os baixos salários e a falta de perspectiva de carreira são os principais motivos que levam os professores a desistir da profissão. Outro problema que aumentou durante a pandemia é os transtornos psicológicos causados pela rotina difícil.
A Daisy dá aulas no Ensino Fundamental há 15 anos. Mesmo experiente, ela sentiu dificuldades na volta às aulas presenciais com o fim das restrições da pandemia.
“Você tem o aluno que o pai está internado... "Olha professora, desculpa, mas o pai está internado e não vai poder assistir". Então são coisas que mexem muito com a gente. Além do nosso pessoal, tem a questão do aluno”, relatou a professora Daisy de Jesus Porto Westhofer.
Isso levou a prefeitura de São Caetano do Sul, na Grande São Paulo, a implementar o programa "Cuca Legal". A proposta é colocar o corpo docente em contato com psicólogos para cuidar da saúde mental dos professores depois de um período tão desafiador.
“A ideia é a gente estreitar vínculos, aumentar a questão da confiança em um pelo o outro, delimitar limites e dar suporte para os professores, orientadores e diretores, porque a gente sabe o quão difícil é a prática diária deles”, disse Flávia Ismael, psiquiatra e coordenadora da Saúde Mental de São Caetano do Sul (SP).
Uma pesquisa da organização não-governamental "Conectando Saberes" mostra que 92% dos professores tiveram dificuldade de executar aulas à distância e que isso prejudicou a aprendizagem dos alunos. A volta às aulas presenciais trouxe a dificuldade de professores e alunos de se reconectar com a sala de aula.
A pesquisa aponta ainda outros problemas na educação nacional.
70% dos professores apontam como frequente a inadequação docente, que é quando um professor leciona disciplinas fora de sua área. Exemplo: um professor de inglês dando aula de artes;
77% acreditam que os salários e planos de carreira levam os educadores a desistir do trabalho;
75% afirmam que as questões psicológicas causadas pela rotina difícil também levam à desistência.
Professores do Brasil: rotina e motivação
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Um professor com dez anos de experiência em duas redes públicas de ensino quase desistiu da carreira. Ele pediu para não mostrar o rosto. Conta que começou a enfrentar problemas quando aceitou dar aulas no período noturno, em 2015.
“Eu entrei na sala, a sala estava absurdamente lotada... 50 pessoas. Eles se negavam a ter aula. Jogando baralho, fumando escondido, saindo da sala a hora que queria. Mas eu tinha uma regra, que era: eu não vou deixar de dar aula nunca. E naquele ano eu não conseguia”, afirmou.
Depois de uma greve da categoria, a volta foi ainda mais difícil.
“No que eu volto para escola, eu tenho ataque de pânico. Começo a tremer, começo a chorar. Eu quis entrar na sala, mas se eu não entrar agora, eu não entro mais. E uma estratégia comum de defesa que os professores fazem – que é muito vergonhosa, muito humilhante – é faltar.
A pesquisa aponta um dado bom: a maioria dos professores afirma que os estágios probatórios – no início da carreira – são bem executados.
Os pesquisadores da Conectando Saberes ouviram 6 mil e 400 professores das redes pública e privada, de todos os estados e do Distrito Federal.
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“Se a gente tiver que pensar em como solucionar qualquer problema, em como pensar em uma solução, seja para o fator psicológico, seja para o fator da prática docente, seja o fator da inadequação, do absenteísmo, acho que o primeiro ponto que a gente sempre visualiza, com esses estudos, é: "como a gente coloca o professor no debate". Como a gente faz com que essas questões sejam participativas e que eles tenham voz para também propor soluções”, disse a diretora da Conectando Saberes, Paolla Vieira
A prática mostra que existe solução.
“Eu adoro minha profissão, adoro a carreira de professor, eu formo professores também. Inclusive, eu ajudo a formar professores, porque eu gostaria que eles não passassem pelo o que eu passei”, contou um professor.